Entrevista com Arnaldo de Almeida

Arnaldo de Almeida, Mestre de Shivam Yoga, é o segundo entrevistado do blog. Se você perdeu a estreia deste novo quadro, vale a pena ler a entrevista com Maria Lucia Wood Saldanha. Apesar de ter perdido boa parte de sua mobilidade, Arnaldo encontrou formas de se reinventar, continuando a escrever livros e apostilas sobre Yoga, além de coordenar aulas e cursos com o auxílio de sua equipe e tecnologia adaptativa. O conhecimento de Yoga e os preceitos do Dharma da cultura indiana têm sido pilares de serenidade e aceitação em sua jornada com a ELA. Mesmo enfrentando grandes obstáculos e limitações severas, Mestre Arnaldo convive em harmonia com sua família e equipe de enfermagem. Ele também destaca a importância de compreender a existência por meio da espiritualidade, mantendo o sonho de continuar utilizando ferramentas tecnológicas para se comunicar.

Perguntas padrão

1- Fale, por favor, seu nome completo, como gosta de ser chamado e onde mora?

Meu nome é Arnaldo de Almeida. Moro atualmente em Ouro Preto, mas eu morei em Pequeri, até os trinta anos, quando me mudei para Ouro Preto, MG.

2- Em que ano recebeu o diagnóstico de ELA? É ELA esporádica ou familiar?

Acho que recebi o diagnóstico, não lembro bem, em 2018. É esporádica e não é genética, segundo os médicos.

3- Quais foram os primeiros sintomas que percebeu? Dos primeiros sintomas até o diagnóstico, quanto tempo se passou?

Nos primeiros sintomas apareceram gradativamente e me lembro que, como eu sou Mestre de Shivam Yoga, comecei a ter algumas dificuldades para executar alguns exercícios, porém eu atribuí a minha idade, já que eu estava com cerca de 66 anos. Teve alguns eventos que eu apresento a seguir, resumidamente. Em função de trabalhar com Yoga, viajava muito. Estava em Porto Velho-RO, e resolvi ir do hotel para algum restaurante. O funcionário do hotel me informou que havia um Shopping bem próximo do hotel. Resolvi ir a pé para fazer uma caminhada, no caminho comecei a suar e ter muita dificuldade de continuar a andar e tive medo de desmaiar. Estava indo para ir para Dublin e tomei um tombo ao sair de casa e lá tomei um segundo tombo. Já em Ouro Preto como a situação foi piorando, resolvi procurar um médico. Aí começou minha saga. Resumindo, o primeiro diagnóstico foi falta da vitamina B12 e ouvi de um médico: Você foi vegetariano por décadas então assuma as consequências. E fiquei cerca de quase um ano em tratamento para restabelecer o nível da B12.

Como a minha situação só piorava, fui aconselhado, pelos médicos de Ouro Preto, a procurar um neurologista de Belo Horizonte. Assim, Edilayne marcou uma consulta com o referido médico. Então, ele fez o exame, o qual é muito doloroso, porque são umas agulhas que parecem uns anzóis que são colocados em determinados nervos e até mesmo na língua. Ao terminar o exame, ele de costas para mim disse: ”você está com uma doença nervosa incurável, e é ELA.” Depois desse diagnóstico fui piorando. Lembro-me de um episódio que me marcou muito, eu fui tomar uma sopa e não consegui levar a colher à boca. Resumindo, desde então já passaram cerca de oito anos e, hoje perdi os movimentos dos braços, mãos e quase todos os das pernas, tenho uma sonda gástrica e, por meio dela me alimento e tenho uma tráqueo. Estou estabilizado.

4- Você tem seguro saúde? Você tem Home Care?

Sim tenho um plano de saúde e, por esse plano tenho Home Care. Tenho quatro profissionais que se revezam.

5- Quais foram as maiores dificuldades que já enfrentou, ou enfrenta, com a organização responsável pelos cuidados, seja no seguro saúde, Home Care, SUS ou outro?

Na verdade, minha ”nora”, que se casou com o Mukesh, indiano que mora comigo há décadas, ela que administra toda a relação com o Home Care. No início, tive dificuldades a adaptação do tratamento, devido a minha intelectualidade, que absurdo eu me comportar dessa forma, aos poucos consegui perceber que eu tinha me adaptar e não o contrário. Hoje há três enfermeiras e um enfermeiro com os quais tenho uma amizade profunda e os agradeço todos os dias.

6 – Você faz Fisioterapia ou Fono com que frequência?

Hoje tenho quatro sessões de fono por semana, assim como de fisio, nutricionista e dois médicos que me acompanham mensalmente.

7- O que mais sente falta de fazer, considerando o que conseguia fazer antes e o que deixou de fazer por causa da ELA?

Tenho mais falta das viagens que fazíamos, anualmente, para a Índia. Apesar de continuar a produzir apostilas para os cursos, sinto falta, também, das viagens pelo Brasil e pelo o mundo para ministrar os referidos cursos, massoterapia indiana e de Shivam Yoga.

8 – Qual a limitação que mais te incomoda?

O que mais me incomoda é não poder me alimentar, sinto o aroma da comida e não poder comer é frustrante. Eu desde os 23 anos sou vegetariano, nunca bebi álcool, nunca fumei nem maconha e fui surpreendido com a ELA aos 68 anos de idade.

9 – Quais as principais tecnologias e ferramentas você usa para driblar as limitações impostas pela ELA?

Uso o Tobbi, Notebook e acesso à internet, que me permitem comunicar com o mundo.

10 – Ultimamente, quais são as atividades que mais ocupam seu tempo, sem ser atividades relacionadas aos cuidados da ELA?

Minha jornada diária é dividida em três partes. Na parte da manhã até às duas da tarde eu reservo para trabalhar, redigir apostilas para os nossos cursos, elaborar as provas teóricas e as corrigir e preparar as aulas práticas e receber os alunos em meu quarto. O instrutor Tiago Saboia é quem ministra tudo junto com os alunos. Tenho publicados quatro livros e estou escrevendo o quinto, todos nessa área. Na parte da tarde e da noite eu fico livre para assistir a muitos filmes, documentários, futebol e outros esportes.

11 – Qual você considera a sua principal conquista depois do diagnóstico?

Poder interagir com minha mãe e compreender a importância dela em toda a minha vida, ela tem 94 anos e está bem fisicamente e mentalmente. Mukesh e Edilayne se casaram e eles têm duas filhas, Gayatri e Lalita, todos vivem comigo e somos uma família muito feliz.

12 – E qual o seu maior sonho para o futuro?

Meu sonho é conseguir usar o Tobbi por mais alguns anos. E, também, compreender a minha existência.

Perguntas personalizadas

1 – Como o contato com a cultura indiana e os conhecimentos de Yoga ajudam a lidar com a ELA?

O Yoga me permitiu ter uma maior serenidade e mais consciência de vários processos a que os seres são submetidos; é muito comum na Índia Antiga e contemporânea é a ideia do Dharma. O Dharma se expressa em alguns aspectos. 1. Dharma como energia que harmoniza as formas e os seres. 2. Dharma como energia que harmoniza cada ser individualmente. 3. Dharma como missão, cada ser humano tem uma missão a cumprir. 4. Dharma de merecimento, cada ser humano tem um merecimento o qual pode ser negativo-dependendo de suas ações negativas do seu passado ou pode ser positivo – também dependendo de suas ações positivas do passado. 5. Dharma de dever, cada ser humano tem de abraçar as suas escolhas e cumpri-las com ética, responsabilidade e consciência.

A Índia é multifacetada e o caminho que eu sigo é a jornada Samkya e Tantra. Então, quero relatar outra ideia do caminho Samkya e Tantra, que se segue… ”Tudo o que nos acontece não acontece por acaso e tudo que nos acontece é para o melhor”. Assim, fico refletindo… Por que a ELA chegou até mim e no momento em que eu estava no topo de minha jornada como Mestre de Shivam Yoga? Estava dando cursos em algumas cidades do Brasil e, ainda, na Europa? Às vezes, me vem à mente outra ideia presente na jornada Samkya e Tantra a qual é a seguinte… ”Os seres nascem, desenvolvem, amadurecem, cumprem suas missões e partem.” Dessa forma, ainda faço muitas interrogações, como, por exemplo, por que a ELA chegou até mim, será que eu estava trabalhando muito, será que foi por eu ter uma infância sobre forte violência e viver com fome até os 14 anos? Os médicos disseram não há nenhuma resposta. Tudo é muito aleatório. Não há como descobrir a causa de a ELA aparecer. Esses preceitos tem me ajudado a compreender essa jornada com a ELA.

2 – Como foi reinventar-se e continuar ministrando técnicas de Yoga após a perda de movimento?
Essa reinvenção foi acontecendo, isso na medida em que ia piorando. Lembro-me que a última viagem que fiz foi para a cidade de São Caetano, na grande São Paulo. Eu ainda estava com o diagnóstico de falta da vitamina B12. Esse diagnóstico foi muito drástico para mim e, principalmente, para meus discípulos. Aqueles que eram vegetarianos correram para fazer exames para ver as taxas de Vitamina B12. Eu também fiquei confuso, tinha tentado que meus discípulos se tornassem também vegetarianos. Por cerca de um ano, fiquei me sentindo culpado. Então, gradativamente, fui transferindo os exercícios para o instrutor Tiago Sabóia. Há um ano, reinventei-me e, hoje, trabalho da seguinte forma… eu reescrevo as apostilas dos cursos e também escrevo novas, e com a ajuda da técnica de enfermagem Lauriza enviamos tudo que escrevi para o Tiago. Por exemplo, estou escrevendo a teoria e prática para o Encontro de Yoguins que será realizado no período do carnaval de 2025.

Por Raquel Mendes Silva – Obra do próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=43491930

3 – Você vive em Ouro Preto, uma cidade histórica. Como avalia a acessibilidade da sua cidade? Você tem conseguido passear pelas ruas de Ouro Preto?

Ouro Preto não tem nenhuma acessibilidade. É impossível pensar em ir ao centro da cidade com cadeira de rodas. Não há ônibus para cadeirantes. Não há como as autoridades criarem obras que melhorem a acessibilidade, uma vez que as ruas do centro histórico são muito estreitas e as calçadas são muito estreitas. Tenho ouvido falar que há projetos para fechar as ruas do centro para se criar um grande calçadão.

4 – Qual a importância de ter uma boa relação com a equipe de enfermagem?

Essa relação é construída dia após dia. Envolve muita paciência de ambas as partes. No momento a equipe é constituída de quatro profissionais, os quais trabalham na forma de revezamento. Eu aprendi muito com a equipe, principalmente, ter a capacidade de respeitá-los em todos os seus processos. Eu os agradeço todos os dias.

5 – Você já escreveu livros. Fale um pouco sobre eles. Onde é possível compra-los?

Manual prático de Yoga: Nesse livro, faço uma abordagem resumida do que é o Yoga. Shivam Yoga autoconhecimento e consciência: este livro está esgotado. Nesse livro, faço uma abordagem bem profunda do caminho Samkya e Tantra, o qual se expressa na jornada de afirmação do mundo. Há dois caminhos na Índia. Eu sigo o caminho da afirmação e o outro caminho é da negação. Essa jornada da negação é que predomina na Índia contemporânea. Um toque espiritual: Nesse livro, faço uma abordagem do Ayurveda, o qual traduzimos como cultura do conhecimento da vida. No ocidente, Ayurveda foi traduzido como medicina ayurvédica, algo totalmente equivocado. Nesse livro, apresento uma das técnicas mais conhecidas do Ayurveda, a Massoterapia, cultura do toque. Pode ser adquirido pela Internet. Ensaio foto-poético: Nesse livro, faço uma viagem pelas cidades da Índia de forma foto-poética, uma homenagem àquele país que me propiciou vivências em direção ao Samadhi, iluminação. Esse livro pode ser adquirido pela Internet. Obs: Em todos esses livros há muitas fotos dos exercícios.

Conheça as obras de Arnaldo de Almeida

6 – Você quer deixar uma mensagem final para os leitores?

Como mensagem final vou citar uma fala recente da minha mãe, de 94 anos…”Filho siga em frente…Alegria!.” Ela mora com meu irmão mais velho na cidade de Pequeri, uma cidade pequenina.

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