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A cadeira de rodas e o ventilador mecânico não impediram viagens por navio e avião.

Entrevista com Maria Lucia Wood Saldanha

Hoje estreia um novo quadro no meu blog: entrevistas com pessoas que foram diagnosticadas com esclerose lateral amiotrófica (ELA) e, mesmo diante das limitações físicas, seguem tendo uma vida ativa. Eu sempre farei 12 perguntas padrão, iguais para todos os entrevistados, e aproximadamente 5 perguntas personalizadas, de acordo com a história de cada um. As perguntas padrão serão interessantes para identificar, por exemplo, o que as pessoas com ELA consideram as maiores dificuldades enfrentadas ou a limitação que mais incomoda e seus sonhos, além de saber sobre os primeiros sintomas, quanto tempo demorou o diagnóstico e quais tecnologias usam para driblar as limitações. Espero entrevistar muitas pessoas que são uma grande inspiração pra mim e pra muita gente.

É uma honra ter como primeira entrevistada a Maria Lucia Wood Saldanha, que é um grande exemplo para todos com ELA, mostrando que é possível continuar viajando e ser feliz. Durante alguns anos, eu acompanhei as conquistas da Maria Lucia pela mídia, redes sociais e amigos. Há um ano, em outubro de 2023, eu tive a alegria de conhecê-la pessoalmente em um evento da Associação Pró-cura da ELA em São Paulo. Maria Lucia, que perdeu os movimentos, usa uma cadeira de rodas e respira por ventilação mecânica, veio ao evento de avião, já que mora em Curitiba. Isso é um grande feito e mostra para nós que, apesar das limitações e obstáculos, podemos ter uma vida ativa e realizar atividades que muitos acham impossível. Eu, que sonho em voltar a viajar de avião, me sinto inspirado e empolgado ao ouvir suas histórias. Além das viagens, Maria Lucia já escreveu dois livros e tem uma coluna no jornal. Confiram a entrevista abaixo.

  • Perguntas padrão

1. Fale, por favor, seu nome completo, como gosta de ser chamada e onde mora.  

Meu nome e Maria Lucia Wood Saldanha. Costumam me chamar de Maria Lucia, Lucia ou Lu. Moro em Curitiba.

2. Em que ano recebeu o diagnóstico de ELA? É ELA esporádica ou familiar?

Em julho de 2012. ELA esporádica.

3. Quais foram os primeiros sintomas que percebeu? Dos primeiros sintomas até o diagnóstico, quanto tempo se passou?

Meu dedo indicador da mão direita começou a perder força e movimento. Eu não conseguia estica-lo. Em seguida, o mesmo dedo da mão esquerda. Depois os dedos foram ficando em formato de garras. O diagnostico demorou um ano e meio para ser fechado.

4. Você tem seguro saúde? Você tem home care?

Sim, tenho os dois.

5. Quais as maiores dificuldades que já enfrentou, ou enfrenta, com a organização responsável pelos cuidados, seja seguro saúde, home care, SUS ou outro?

Hoje estou com equipe formada e uma empresa de home care excelente. Mas tive muitos problemas com rotatividade de técnicas, folguistas despreparadas, falta de materiais e, o pior, uma home care anterior que não prestava atendimento a contento, chegando ao ponto de eu ter que pagar ambulância para me levar a um atendimento de emergência hospitalar, que culminou com uma cirurgia de emergência, por conta de uma oclusão intestinal. A empresa que me atendia, dizia que não era o caso de me remover. Eu me contorcia de dor e vomitava espuma.

6. Você faz fisioterapia e fono com que frequência?

Fisioterapia todos os dias. Fonoaudiologia 5 vezes por semana.

7. O que você mais sente falta de fazer, considerando o que conseguia antes e deixou de poder realizar por causa da ELA?

Dirigir, ficar sozinha em casa, comer, sair com as amigas para curtir a noite e dançar.

8. Qual a limitação que mais te incomoda?

A perda da fala.

9. Quais as principais tecnologias e ferramentas você usa para driblar as limitações impostas pela ELA?

O rastreador ocular Tobii, principalmente acoplado no tablet na cadeira de rodas, possibilitando me comunicar quando saio, e uma placa de comunicação para quando não estou conectada.

10. Ultimamente, quais são as atividades que mais ocupam seu tempo, sem ser atividades relacionadas aos cuidados da ELA?

Escrevo para um jornal, procuro sair pelo menos uma vez por semana, participo duas vezes por semana de estudos espiritas online, vejo vídeos do YouTube e assisto TV, além de decidir, resolver e organizar tudo o que se refere a rotina da casa (compras pela internet, tratativas com home care, pagamentos, contratação de cuidadoras, etc.).

11. Qual você considera sua principal conquista depois do diagnóstico?

Foram duas grandes conquistas. A primeira foi estar presente na formatura do meu filho, na Marinha Mercante do Rio de Janeiro, pois achei que não estaria viva para isso. A segunda foi fazer uma viagem de 25 dias, de navio do Brasil para a Europa, já totalmente limitada fisicamente e traqueostomizada.

12. E qual o seu maior sonho para o futuro?

Acho que já pude vivenciar tudo o que eu queria, mas confesso que se eu tiver condições, quero continuar viajando.

  • Perguntas personalizadas

1. Você já escreveu livros. Quais as mensagens você transmite com eles? Onde é possível comprá-los?

Sim, escrevi dois livros: “Como Cresci com ELA” e “A Vida é Bela – Como Aprender com ELA”.  No primeiro eu conto minha vida após o diagnóstico e no segundo reflexões de uma paciente de ELA sobre a vida. Em ambos procuro mostrar para as pessoas a riqueza que possuem, como supero as dificuldades impostas pela doença e como escolhi ser feliz e encontrar significado na vida, apesar dos desafios da ELA. O primeiro teve a edição esgotada. Vou lançar a versão online em breve. O segundo pode ser adquirido pelo site www.procuradaela.org.br.

2. Quais os maiores obstáculos que você já enfrentou para viajar, tanto nos primeiros anos da doença como mais recentemente?

Até eu ir para a cadeira de rodas, não encontrei obstáculos para viajar. Depois encontrei alguns, como:

a) medo;

b) recusa de uma companhia marítima em aceitar pacientes com ventilação mecânica;

c) exigência de exame de gasometria por parte de uma única companhia aérea;

d) não poder desembarcar em uma das paradas, porque não tinha ônibus ou van que me transportasse do navio até a saída do porto, sem descer da cadeira de rodas (proibido ir andando);

e) pontos turísticos que não pude visitar, por não possuírem acessibilidade alguma;

f) banheiro adaptado para pessoas com deficiência fechado, em um ponto turístico muito frequentado;

g) ônibus de turismo inacessível para cadeirante, por conter degraus em todas as portas;

h) escassez de táxis ou uberes adaptados em todas as cidades;

i) recusa de táxis comuns em transportarem cadeira de rodas no porta-malas;

j) em alguns países não existe prioridade no atendimento. Vige o princípio “respeite a fila”;

k) não ariscar fazer passeios em cidades vizinhas dos portos de parada de navio, por medo de não retornar a tempo, já que para um paciente de ELA tudo é feito com muito cuidado e, por consequência, mais demorado e cansativo.

3. Você fez uma travessia de navio do Brasil à Europa. Como foi esta experiência? Quais lugares visitou, onde ficou hospedada e como é a acessibilidade?

Sim, foi uma travessia de 23 dias. A experiência foi muito satisfatória, mesmo com minhas limitações e transtornos que tivemos em alguns lugares. Navios são excelentes para pessoas com deficiência. E as calçadas na Europa parecem corredores de shopping. Saímos de Santos, com paradas no Rio de Janeiro, Búzios, Salvador, Fortaleza, Santa Cruz de Tenerife (Tenerife, Ilhas Canarias, Espanha), Funchal (Ilha da Madeira, Portugal), Vigo (Espanha), Southampton (Reino Unido), Zeebrugge (Bélgica), Le Havre (França), Rotterdam (Holanda) e Hambugo (Alemanha). Nesse período, desembarcávamos cedo nas cidades, retornando ao navio no final da tarde, onde dormíamos (eu numa cabine adaptada).

Por eu ser uma pessoa com deficiência, requerendo mais tempo para me deslocar nas paradas do navio, não arriscamos pegar trem para cidades mais afastadas e famosas, como Santiago de Compostela, Londres, Amsterdã e Paris.  A única exceção foi em Zeebrugge, onde pegamos um trem de meia hora para conhecer a magnífica cidade de Bruges. Quando desembarcamos em Hamburgo, ficamos duas noites em um hotel com acessibilidade. Só que era antigo, como a grande maioria na Europa, com boa localização. Reservei num site.

4. Como advogada, quais leis você implementaria voltadas para pessoas com ELA?

Como advogada não poderia fazer muito. Mas como legislador (vereadora, deputada estadual, deputada federal ou senadora), por ser a ELA uma doença atípica e cara, buscaria tornar gratuito o fornecimento de rastreadores oculares e computadores, equipamentos de suporte à vida, bem como todos os medicamentos de uso contínuo e home care pelo SUS. Também pensaria numa forma de revitalização das principais ruas, quem sabe isentando do IPTU no ano, ao morador que adequasse as calçadas, dentro dos parâmetros preestabelecidos para torná-las acessíveis.

5. Como seu filho, familiares e amigos lidam com o fato de você ter ELA? Você acredita que tem uma relação diferente com eles após o diagnóstico?

Bom, meu filho me trata como uma pessoa normal. Teve que amadurecer precocemente, pois quando começaram os primeiros sintomas ele tinha somente onze anos. Cuidou de mim, sozinho, nos primeiros anos, separando e me dando as medicações, ajudando a me vestir e despir e me levantar dos primeiros tombos, até que concluíssemos que era necessário contratar uma cuidadora. Meus familiares passaram a ser mais presentes, até porque antes da doença, tanto eu como eles, vivíamos mais focados na correria do trabalho e do dia a dia. A ELA os fez repensar o que é realmente importante na vida. Os amigos, que eram muitos antes, restaram poucos. Acredito que por não conseguirem conviver comigo tão limitada fisicamente ou porque os interesses que nos unia não existem mais (baladas, trabalho, etc). Mas, por outro lado, surgiram muitos outros que ganhei com a ELA.

Maria Lucia antes do diagnóstico de ELA

Respostas de 10

  1. Estive no mesmo simpósio em 2023 onde conheci ambos, com seus posts, depoimentos e determinação são exemplos de superação para pessoas como eu, em estágio inicial da E.L.A. Pretendo te-los como referência para enfrentar os desafios maiores que sei, ainda estão por vir.

  2. Bela iniciativa… esta abordagem nos ajuda a conhecer a vida e as dificuldades que portadores e familiares enfrentam.

    Para mim, como familiar, uma grande fonte de inspiração nesta história, deixando claro que não existem limitações e que tudo é possível quando bem planejado.

    Infelizmente a grande maioria tem enormes dificuldades em conseguir tratamentos adequados pelo governo, isso não somente no Brasil.

    Acredito que esta e outras vozes que surgirão nesta abordagem, trarão à luz tudo aquilo que precisamos e que pouco é sabido.

    Parabéns Ricky e Lucia.

  3. Que história linda e emocionante, senti o valor em cada detalhe que a vida nos presenteia 👏👏👏👏😍😍😍. Achei incrível e sensacional Maria Lúcia sua linda história. Que a vida te proporcione muitos momentos maravilhosos, que Deus te abençoe te ilumine🙏.
    Você é um ser de luz ✨✨✨incrível .
    Ricky, amei seu novo quadro, você sempre nos surpreendendo 🥰😍. Deus te ilumine 🙏te proteja e te traga maravilhosas experiências e vivências extraordinárias. Sucessoooo. 😍😘 Beijos 😘 Parabéns Ricky e Maria Lúcia

  4. Parabéns pelo excelente novo quadro. As perguntas escolhidas são tão pertinentes e importantes.
    A Maria Lucia é inspiradora, assim como você Ricky.
    Forte abraço

  5. Parabéns pela abordagem em tema tão delicado e que trouxe uma visão mais alentadora da vida com ELA.
    Maria Lúcia é um exemplo de vida vibrante, mostrando que a doença não a impede ser produtiva, realizadora e inspiração para muitos. É uma mulher admirável!

  6. Ricky, parabéns pela estreia do quadro de entrevistas no blog! Fiquei inspirado lendo a história da Maria Lucia — é incrível ver pessoas como vocês, que nos mostram o verdadeiro significado de superação todos os dias. Como sobrevivente de um derrame de tronco encefálico, sei como cada conquista é especial. Obrigado por compartilhar essas histórias e por ser uma inspiração constante pra todos nós.

  7. Adorei conhecer a história da Maria Lúcia! Mais uma pessoa inspiradora.
    Que bom termos pessoas como vocês dois que mostram à sociedade que pessoas com ELA têm limitações, mas ainda assim não são impedidas de viver muitas experiências incríveis.
    Parabéns, Ricky, pela iniciativa da realização destas entrevistas. E a escolha das perguntas foi bastante pertinente.

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