Em junho de 2017 eu saí de casa, sem ser de ambulância, pela primeira vez em cinco anos. Isso só foi possível graças a uma cadeira de rodas motorizada que deita praticamente inteira, algo que era imprescindível para eu respirar bem naquela época. Nesse dia, em que fomos ao parque e depois ao cinema, fiquei quase o tempo todo com o encosto da cadeira bem reclinado e, mesmo assim, tive muita dificuldade para respirar antes de sair de casa. Felizmente esses episódios de passar sufoco por causa da respiração são coisas do passado, como conto no artigo “Os 9 motivos por eu estar melhorando da ELA, doença neurológica progressiva”. No dia seguinte à minha primeira saída de casa depois de 5 anos, eu escrevi um relato contando como foi. Veja abaixo o relato na íntegra. Boa leitura!
Foram dias de preparação para o primeiro passeio com a cadeira de rodas motorizada da Permobil fora do condomínio: alugar van adaptada, verificar acessibilidade dos locais escolhidos, deixar equipamentos carregados e separar materiais para levar. Desde que fiz a traqueostomia, no mesmo dia 11 de junho, só que 5 anos antes, havia saído apenas uma única vez a lazer. Naquela oportunidade, precisamos alugar uma ambulância, levar uma cadeira de rodas pequena e transferir para uma poltrona que reclina o encosto. Agora a situação era bem diferente, por causa da nova cadeira Permobil.
No domingo, depois da fisioterapia e da rotina da manhã, estava tudo pronto, inclusive com a van já aguardando em frente de casa. Como de costume, pedi para alterar as configurações do respirador Trilogy para o parâmetro secundário, que aumenta minha frequência respiratória e torna mais fácil enfrentar situações e posições que não estou habituado. Depois, me transferiram da cama para a cadeira e descemos pela plataforma elevatória até o andar de baixo.
Na garagem, pedi para a técnica de enfermagem Elisângela aspirar a tráqueo. Correu tudo bem, mas logo após a aspiração, minha respiração acelerou muito, assim como os batimentos cardíacos, e comecei a sentir dificuldade para respirar. Pedi para abaixar mais o encosto da cadeira, mas já estava no limite imposto pelo suporte do Trilogy. Muitos pensamentos passavam pela cabeça. Eu tinha que passar mal bem no dia do primeiro passeio mais longo com a Permobil? Meus pais, Elisângela, Cristy e meu amigo Higor estavam em volta de mim vendo a situação e aguardando algum comando meu. Mais longe, o motorista da van também acompanhava tudo. O desconforto respiratório estava ficando insustentável, precisava fazer alguma coisa. O ideal seria voltar pra cama, mas para isso eu teria que ficar sentado para a cadeira caber na plataforma, o que aumentaria consideravelmente a dificuldade que eu estava sentindo. Seria um sufoco. Além disso, deixaria todos muito mais preocupados.
Apesar do sufoco que eu estava passando, tentava não transparecer, para que meus pais não ficassem preocupados a ponto de desistirem. Eu estava com medo de não conseguir nem subir na van e melar o passeio tão aguardado e planejado. Seria frustrante e adiaria por mais tempo meu sonho de voltar a frequentar parques, cinemas e outros lugares. Como seria muito difícil subir até o meu quarto, só sobrou uma alternativa. Pedi pra Elisângela me ambuzar. Isso deu um grande alívio e pedi para colocar novamente o respirador. Quando fez isso, minha respiração acelerou e fiquei outra vez com dificuldade respiratória. Voltamos ao ambu e pedi para checarem se não tinha algum problema com o Trilogy ou com o circuito, o que inviabilizaria totalmente minha saída. Aparentemente não tinha nada de errado. Por algum motivo que não sei explicar, o Trilogy estava acelerando minha respiração e não me deixando confortável. Então, enquanto Elisângela seguia me ambuzando, pedi pela tabela de comunicação para mudarem as configurações do respirador para o parâmetro principal, que pressupõe uma respiração mais cadenciada. Deu certo. Voltei para o Trilogy e minha respiração foi, aos poucos, se estabilizando. Ufa! Em pouco tempo eu estava me sentindo bem, mesmo quando quis testar novamente o parâmetro secundário, e falei: Vamos!
O elevador da van adaptada funciona perfeitamente e entrar no veículo foi mais fácil que eu imaginava. Não foi preciso nem mexer na cadeira, que estava bastante inclinada para o meu conforto. Prendemos a cadeira e partimos. O motorista foi cuidadoso e o espaço destinado à Permobil é mais que adequado. O único problema foi externo: lombadas, tartarugas e a péssima qualidade do asfalto fizeram com que minha cabeça balançasse bastante ao longo do caminho. Não é nada que inviabilize os passeios, mas seria bom descobrir uma maneira de minimizar esse desconforto.
Chegamos ao Parque Municipal de Barueri e nos deixaram parar para desembarcar bem em frente à entrada. O parque é 100% acessível, tem muitas árvores, quadras, e estava com bastante movimento. Foi uma alegria imensa sair de casa, ver pessoas diferentes e um local público bem cuidado, sendo apropriado pela população. Sempre fui muito fã de parques. Para completar, outro amigo, o Luiz, foi nos encontrar. Seis anos antes, nós havíamos feito um piquenique neste mesmo local, ele com a família, inclusive meu afilhado Kike.
De lá, fomos ao Shopping Iguatemi para pegar um cinema. Também pudemos desembarcar em um lugar privilegiado e totalmente acessível. Paramos em um café e, por uma feliz coincidência, vi o amigo Marcel passar com toda família. Avisei o pessoal e o Higor foi atrás dele. Ainda encontramos a Juliana, irmã do Luiz, também sem combinar. Chegamos ao cinema e fomos bem recebidos pelo gerente, que já havia combinado todo o esquema com o meu pai no dia anterior. Entramos em cima da hora e fomos ao local reservado, onde o pessoal do Cinépolis havia retirado duas poltronas para acomodar minha cadeira motorizada. Trouxeram transformador e uma régua de tomada para carregarmos o respirador e o aspirador. Fizeram de tudo para que nossa experiência fosse a melhor possível, não deixaram nem a gente pagar. Foi incrível vê-los se desdobrarem para agradar uma pessoa que não conheciam. Existe muita gente boa neste mundo e senti isso novamente ao voltar a circular de cadeira de rodas. No cinema senti dor nos glúteos, pois havíamos mexido no encosto da cadeira para sair do elevador. Quando voltou pra posição normal, ao término do filme, a dor passou.
Voltamos pra casa com uma sensação boa, felizes por termos vivenciado esses momentos maravilhosos. Após o susto inicial da dificuldade para respirar, ainda na garagem de casa, tudo transcorreu perfeitamente bem, acima das expectativas. Um simples passeio no parque e assistir um filme no cinema, que para outras pessoas pode ser algo corriqueiro ou banal, pra mim foi uma grande vitória. Durante cinco anos, uma saída como essa era praticamente impossível. Estou de volta. Agora, segura!r
Respostas de 4
Obrigado por compartilhar sua história. É uma grande inspiração!!! Me sinto privilegiado por te conhecido !!!!
Que vitória.
Gostaria muito que meu irmão aceitasse sair pelo menos do quarto.
Mas vamos tentando. Obrigada pela sua postagem.
Nos faz crer que apesar de todas as dificuldades ainda vale a pena viver…..
Parabéns Ricky. Todos esses anos, olhando pra trás, só orgulho de todas as oportunidades lindas que passaram pela sua vida.
Acabei de ler essa matéria e achei interessante e resolvi compartilhar no facebook. storysaver