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Os tratamentos que fiz nos primeiros anos com ELA

Passado o impacto do diagnóstico, de uma doença neurológica degenerativa, com dois a cinco anos de vida, ou seja, uma sentença de morte cravada no peito que, definitivamente, não queríamos nos conformar, fomos atrás de todo tipo de tratamento, possível e inimaginável, para tentar conter os avanços das limitações que, em pouco tempo, eram constantes e avassaladoras. Na época meus pais trabalhavam, minha mãe em uma empresa e meu pai no Hospital de Pirituba, da prefeitura de São Paulo. Ele trabalhava de manhã e dava plantão uma noite por semana, tendo as tardes livres. Então, nos primeiros meses da doença, meu pai, que é médico, me levou a diferentes consultas e tratamentos. Fiz tratamento de medicina ortomolecular, e outro tratamento alternativo chamado “o Ring Test”. Meu pai também me levou em consultas com diferentes médicos para ouvir outras ideias e sugestões.

Passados dez meses, minha mãe saiu do emprego e resolveu “arregaçar as mangas”, dando uma guinada na jornada da sua vida para assumir o leme do meu diagnóstico, em busca de uma luz no fim do túnel. É difícil afirmar que os tratamentos, na época, retardaram a evolução da ELA, possivelmente sim. Se eu não tivesse feito nada disso, será que teria demorado mais de 5 anos para ficar totalmente dependente de ventilação mecânica? Eu acredito de verdade que os tratamentos, anos depois, contribuíram para que a ELA não seguisse evoluindo, ou seja, estabilizasse. Eu falo sobre isso no artigo “Os 9 motivos por eu estar melhorando da ELA, doença neurológica progressiva”, que publiquei em janeiro, e muitas pessoas perguntaram dos tratamentos que já fiz. Por isso, eu pedi para os meus pais escreverem sobre os tratamentos que fiz nos primeiros anos com ELA. Agora estou trazendo pra vocês os relatos da minha mãe e na próxima semana irei publicar os relatos do meu pai.

Os tratamentos do Ricky – relatos da minha mãe, Cristina.

A primeira coisa que eu fiz, foi sair do trabalho, onde era Diretora Administrativa em uma renomada empresa de Seguro Saúde para altos executivos, para me dedicar aos cuidados do Ricky, porque tombos já eram frequentes.

A segunda coisa, foi me dedicar a buscar informações sobre o que fazer com a ELA. Passava horas vasculhando o Google, (sem ajuda da IA), por informações a respeito da doença, condutas e tratamentos. Tudo que conseguia encontrar eram informações sobre o Stephen Hawking, astrofísico inglês, diagnosticado com ELA aos 21 anos, um dos poucos com sobrevida ao fatídico determinismo de dois a cinco anos de vida. Graças à sua persistência em continuar trabalhando, tornou-se um renomado cientista e ganhou notoriedade pela descoberta dos buracos negros no espaço intergaláctico.

Comecei lendo os livros do Stephen Hawking, principalmente a biografia, para descobrir quais os tratamentos que ele tinha feito. Como na Inglaterra o seguro saúde é público, ele brinca, que lá, já teria morrido em um hospital de retaguarda, assim que começou com as primeiras limitações.  Por este motivo aceitou o convite do “California Institute of Technology” que além de contratá-lo como pesquisador e professor, se prontificou a desenvolver as tecnologias necessárias para ele, à medida que a doença progredisse. Como suas descobertas científicas tiveram grande repercussão internacional, o Instituto conseguiu capitanear recursos para criar e desenvolver novas tecnologias específicas para ele, como o equipamento para escrever com os olhos ou com a bochecha, o sintetizador de voz, além da cadeira motorizada adaptada para que pudesse circular pelo campus da Universidade e pela cidade.

Desde início Stephen Hawking tornou-se uma grande inspiração para nós. Se ele tinha conseguido driblar tantos obstáculos era sinal que nada é impossível. Infelizmente a realidade dele estava muito distante da nossa no Brasil porque esses equipamentos eram desconhecidos por aqui, ou melhor, nem existiam informações sobre eles.

Soubemos de um evento de Natal da Abrela, Associação de ELA, que o Ricky quis participar, mas nos deparamos com um cenário trágico de pessoas altamente comprometidas, com gastro e tráqueo, em cadeira de rodas e macas, em busca de informações. Para quem desconhecia esta realidade, este foi um dos piores dias da nossa vida. Não fazíamos ideia de que a evolução era tão rápida e que, muitos pacientes, em menos de um ano, não conseguem mais se locomover, falar e respirar. Saímos de lá com o coração apertado e determinados que as duas palavras que mais ouvimos, doença e morte, não fariam parte do nosso cotidiano. Estávamos determinados a focar na saúde e celebrar a vida todos os dias.

Aprendemos que uma das principais atividades era fazer fisioterapia para manter os músculos sem atrofias. Logo conseguimos uma fisioterapeuta com experiência em pacientes com doenças neurológicas para atender o Ricky três vezes por semana. Ela sugeriu que o Ricky fizesse acupuntura e nos indicou o Dr. Wu, conhecido médico chinês e brasileiro, que descobriu que por algum motivo desconhecido, o Ricky deveria ter altos índices de metais pesados no corpo. Ele nos indicou uma médica que fazia uma medicina diferente, Homo Toxicologia, ou melhor, Medicina Biológica Alemã, Dra. Maria Emília Gadelha Serra.

Antes mesmo de marcarmos a consulta com a Dra. Maria Emília, tomamos conhecimento de um médico americano, Dr. David Martz, cuja história foi retratada em um filme “Under our skin”, que foi diagnosticado com ELA, e inconformado com o diagnóstico, foi em busca das causas.  Em suas pesquisas, como médico, percebeu que a perda progressiva de seus movimentos poderia não ser ELA e sim Lyme Crônico, conhecida no Brasil como doença do carrapato. Ele, que morava no meio de um bosque, lembrou-se que recentemente tinha sido picado por carrapato. Foi atrás de fazer exames para bactérias do carrapato (Rickettsia, a Borrelia e a Ehrlichia) e teve o resultado positivo. Resolveu então criar um protocolo próprio de tratamento com altas doses de antibióticos para combater as bactérias da doença do carrapato.  No final do filme aparece o Dr. David Martz, após o tratamento de lyme crônico, de volta andando e dando palestra, tanto é que criou até a sociedade das doenças invisíveis.

Assim que descobri o caso do Dr. David Martz, fui atrás de informações na internet sobre a tal doença do carrapato. Descobri que países como Inglaterra, Alemanha e Austrália tem protocolos muito bem definidos para a doença de Lyme que, quando é diagnosticada e tratada assim que a pessoa é picada por um carrapato infectado é fácil de curar, mas se a pessoa não percebe que foi picada pelo carrapato infectado, e chega a estágios avançados, que eles chamam de Lyme Crônico, pode desenvolver doenças neurológicas como ELA, Parkinson e Alzheimer.

Na ocasião, o Márcio, que é médico e meu marido, pai do Ricky, foi conversar com o chefe das moléstias infecciosas no Hospital das Clínicas para saber se aqui havia algum protocolo de exames e controles da doença do carrapato. Recebeu a desconcertante resposta que no Brasil a doença do carrapato só ataca o gado e não humanos, portanto, era um problema de zoonose.

Diante dessa falta de informação ou até mesmo de informações vagas e disparatadas, fomos para a consulta com a Dra. Maria Emília, que tem uma visão mais holística da medicina do que os médicos neurologistas tradicionais.  Ela nos abriu diversas portas de novos tratamentos que nem imaginávamos. A começar pela variedade de exames diferentes que reviraram o Ricky do avesso, como o da detecção de metais pesados, o de intolerância alimentar, o IGG e IGM para doença do carrapato, que teve que ser analisado em um laboratório dos Estados Unidos porque aqui doença de carrapatos só atinge gado, além do Vegatest para identificar a melhor absorção dos medicamentos para o tratamento e outros.  

Desde então, nossa nova rotina foi passar três tardes por semana com o Ricky no consultório da Dra. Maria Emília, para fazer a desintoxicação de metais pesados que, nos exames, apontaram índices altíssimos de alumínio, mercúrio, cadmio e outros. Como mostra a literatura médica, os metais pesados podem causar diversas doenças graves e são neurotóxicos, podendo causar degeneração neurológica.

Em seguida o Ricky ficava horas tomando um composto injetável de mais de dez vitaminas antioxidantes, outras vezes fazia um procedimento, não tão simpático, enema de café para limpeza intestinal, e outras vezes fazia ozonioterapia no sangue para fortalecer o sistema imunológico.

Em casa, sempre tivemos hábitos saudáveis de alimentação, mesmo assim, novos hábitos foram introduzidos para se adequar à nova rotina do Ricky, de alimentos sem lactose e sem glúten. Passei a comprar leite de soja ou amêndoa, que batia no liquidificador, com frutas e verduras verdes. Optava por farinha de couve, beterraba, e de outros legumes, que eram comprados em uma loja específica de produtos naturais. Na época não era fácil encontrar esses produtos tidos como exóticos. Atualmente, qualquer supermercado tem suas gôndolas com produtos veganos. Isso valia também para produtos orgânicos. Não era fácil encontrá-los. Eu fazia uma verdadeira peregrinação para comprar verduras orgânicas, principalmente de folhas bem verdes, que viravam um suculento suco verde na centrífuga e que a polpa restante virava um sopão cozido junto com abóbora japonesa. Como estava cada mais difícil o Ricky conseguir deglutir, a alimentação dele era praticamente a feira orgânica e o sopão.

Outra mudança na rotina foi a introdução dos medicamentos naturais da Homo Toxicologia, medicina biológica alemã.  O Ricky começou a tomar diferentes remédios, receitados pela Dra. Maria Emília, com nomes jamais vistos, com a finalidade de desintoxicar o organismo dos metais pesados e alimentos tóxicos e fortalecer a imunidade. Organizei todos em uma caixa e deixei na bancada do quarto do Ricky, com uma tabela com os horários a serem ministrados.

A Dra. Maria Emília, empolgada também com as novas possibilidades de tratamentos, foi para um congresso sobre lyme nos Estados Unidos e fez contato com o Dr. David Martz. Ele tinha criado um protocolo com altas doses de antibiótico para combater a Borrelia e as bactérias coadjuvantes da doença do carrapato. Assim que chegou do congresso, a Dra. Maria Emília pediu para que eu fizesse contato com a secretária do Dr. David Martz, que ela iria passar o protocolo de tratamento que ele havia criado.

Com o foco na cura do Dr. David Martz, o protocolo dele em mãos, a empolgação da Dra. Maria Emília para tentar o tratamento para lyme crônico, porque o Ricky tinha sido picado por carrapato na praia e eu tinha tirado um carrapato das suas costas. Tempos depois, convencemos o Márcio, médico e reticente em relação à tanta novidade, que deveríamos tentar este novo tratamento.

Como o protocolo envolvia tomar vários antibióticos, tivemos que levar o Ricky para o hospital para colocar um cateter venoso. Um enfermeiro passou a vir em casa, todas as tardes, fazer a infusão da medicação. O cuidado com a alimentação orgânica dele foi redobrado e as vitaminas antioxidantes também para evitar efeitos colaterais dos antibióticos a longo prazo.

Tudo estava caminhando de vento em popa. O Ricky empolgado com o tratamento, se sentindo muito bem, percebendo uma leve melhora nos movimentos, sem nenhum efeito colateral há mais de um mês, quando, de repente começou a passar mal, com febre e vomito. Teve que ser internado às pressas por causa de uma infeção no cateter central. Foram dias de tensão. O Ricky teve septicemia, ficou uma semana na UTI, e depois mais um mês no quarto, até se recuperar e ter alta do hospital para voltar para casa.

Durante todo o tempo da internação, a Dra. Maria Emília, continuou o tratamento da medicina biológica alemã, após uma longa negociação com o hospital alemão, que não queria autorizar porque os medicamentos não faziam parte do protocolo deles. E precisei conseguir um bulário do laboratório Heel, fabricante dos medicamentos da Homo Toxicologia para que, afinal, o hospital alemão liberasse o tratamento de medicina alemã, tão difundida no país de origem, mas que eles desconheciam. Ufa, mais uma batalha vencida!

De volta para casa, o Ricky mais debilitado, com bastante dificuldade para caminhar e levantar os braços, alugamos uma cama hospitalar e mandamos fazer uma cadeira de rodas, mais confortável e adaptada para o tamanho dele, que é muito alto e tem pernas compridas.  

Agora a nova rotina do Ricky era ficar mais tempo na cama, caminhar um pouco, com o andador, até a sala de televisão e voltar para o quarto. Não conseguia mais descer para almoçar na copa nem sair de casa. Mesmo assim, não desistimos do tratamento para lyme crônico, nem da alimentação orgânica e das infusões das vitaminas antioxidantes. O enfermeiro, Vanderlei passava a tarde no quarto, do Ricky aplicando as medicações. Era uma excelente companhia, tanto que ficou amigo do Ricky e fez, inclusive o seu TCC da faculdade de enfermagem, sobre ELA.

No final daquele ano, após dois de tratamento de medicina biológica alemã e um ano do tratamento com os antibióticos, resolvemos que era hora de parar. Além do alto custo do tratamento, o Ricky sentia que a ELA continuava impondo suas restrições. Bem provável que o Dr. David Martz, tenha sido uma exceção, ao ter um diagnóstico errôneo de ELA e ser lyme crônico. A medicina ainda não tem respostas para todas as nuances da doença, muito menos sabem qual o tratamento mais adequado para cada paciente, uma vez que, até hoje, mais de cem anos após as doenças do neurônio motor terem sido mapeada por Charcot, os médicos não conseguiram nem sequer encontrar as causas da ELA.

A verdade é que, durante estes dois anos em função de diferentes tratamentos, jamais perdemos a esperança de que o Ricky ultrapassaria a fatídica estatística dos livros de medicina porque cada ser humano é único e ninguém é capaz de prever o futuro. Jamais deixamos de ter fé e de acreditar nos tratamentos espirituais a que o Ricky se submetia juntamente com os tratamentos não convencionais. Sabíamos também que existia uma legião de pessoas, família, amigos, conhecidos e desconhecidos que rezavam por ele, cada um com sua crença, de diferentes formas, pela sua saúde e sobrevivência.

Era dezembro de 2010, dois anos haviam se passado desde os primeiros sintomas e a suspensão do tratamento para lyme crônico. Este ciclo havia se fechado. Precisávamos começar agora um novo capítulo na nossa história de vida, encontrar uma razão para nos sentirmos vivo!

Foi aí que o Ricky navegando na internet, digitando com muita dificuldade, somente com o dedo indicador, começou a pesquisar tudo sobre mobilidade urbana sustentável, tema predileto do seu Mestrado em Sustentabilidade que tinha feito na Espanha. Na hora ele percebeu que não existia nenhum site que congregasse todas as informações sobre a temática. Na hora ele teve a ideia de criar um portal de conteúdo para reunir essas informações que ele se interessava tanto, mas que no Brasil, ninguém dava importância.

Foi assim que ele montou uma planilha em Excel com todas as informações que imaginava que deveria conter no portal, as seções e os tipos de mobilidade e me chamou no quarto para perguntar se eu toparia entrar neste novo desafio com ele. Eu, que já havia trabalhado em um portal de internet, aceitei na hora, imaginando um site pequeno, que nós dois pudéssemos tocar sozinhos, mas subestimei o sonho do Ricky.

No início de janeiro, o Ricky convidou seus amigos da FGV para virem em casa para apresentar o seu projeto. Na hora eles aceitaram o desafio de transformar seu sonho em realidade, mas logo perceberam que teria potencial para se transformar em um grande portal de internet, por não ter nenhum outro do gênero na internet.

O que era somente um sonho em janeiro se transformou em realidade em setembro de 2011, quando lançamos o Portal Mobilize (www.mobilize.org.br), o primeiro portal sobre mobilidade urbana sustentável do Brasil.

O Ricky e eu totalmente envolvidos na construção do portal Mobilize realmente não tínhamos muito tempo para pensar em novos tratamentos, mas infelizmente, as limitações motoras avançavam rapidamente e o Ricky estava com medo de não conseguir realizar o seu sonho de colocar o portal no ar em setembro de 2011, na semana de mobilidade urbana.

E foi assim, no meio de tantas incertezas, que soubemos dos autotransplantes de Célula Tronco que estavam sendo realizados em diferentes países mundo afora… Mas esta epopeia, que deu o que falar, fica para o próximo post do Blog.

Respostas de 3

  1. Ricky você já e vitorioso amei seu relato espero que o experimento com células troncos traz bons resultados. Também sou portadora de ela a dois anos e um grande sofrimento.As vezes por eu ser
    Pobre achava que não poderia ter acesso a tratamentos diversos quer morreria sem oportunidade mais lendo seu relato pode me conformar.Meu querido eu sou uma pessoa muito espiritualizada e tenho uma grande esperança que está doença e qualquer outra terá cura total no governo de Deus que terá Jesus como governante. Está muito perto a chegada desse Reino e todos que estão mortos viveram novamente e está terra será transformada num paraíso global.espero te ver lá ❤️

  2. Ricky sou sua seguidora assidua. Leio tudo o que publica. A sua vontade de ultrapassar obstáculos me e encoraja. Como eu gostava de ser assim.
    Vou aguardar ansiosa pelas próximas publicações. Um abraço gigante

  3. Deus te abencoe🙏🏻 Ricky
    Sua força de vontade e determinação são determinantes para seguir a jornada e quem sabe a cura da Ela. Obrigado por compartilhar tuas vivências, que elas sirvam de estímulo para outras pessoas com essa doença. Abraço

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