Como já dizia Vinicius de Moraes, poeta e diplomata: “É melhor ser alegre que ser triste; alegria é a melhor coisa que existe; é assim como a luz no coração”. Claro que é horrível e desesperador receber um diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica ou de qualquer outra doença grave, mas depois que passa o choque inicial, temos que escolher qual atitude devemos ter diante disso. Eu acho que a felicidade também é uma decisão que tomamos diariamente e, mesmo enfrentando tantos obstáculos, é a melhor decisão, pois traz grandes benefícios. A aceitação e o bom humor influenciam positivamente em tudo, desde trabalho até amizades.
Falando em amizades ou em relações com outras pessoas, o físico Stephen Hawking uma vez disse: “É uma perda de tempo ficar irritado com minha deficiência. As pessoas não terão tempo para você se você estiver sempre irritado ou reclamando.” Ele tem razão, uma atitude negativa com a vida e com o mundo só vai afastar as pessoas de você. Além disso, quem não aceita e se revolta com o diagnóstico, geralmente dura muito pouco. Conheço muitos casos de pessoas que não aceitaram a ELA e viveram pouco tempo, desde médico neurologista até palestrante motivacional. Imagine, por exemplo, se o Stephen Hawking tivesse abandonado a faculdade e deixado de viver ao saber que estava com ELA. Teríamos perdido um dos principais físicos do último século. Eu também, se tivesse desistido de viver e de trabalhar por causa da ELA, hoje não estaria colhendo os frutos de tantas coisas boas que vem acontecendo comigo.
Como eu conto no livro Movido pela Mente, no dia que recebi o diagnóstico de ELA fiquei arrasado e chorei muito. Na manhã seguinte, fui à academia e, enquanto fazia os exercícios nos aparelhos, as lágrimas não paravam de sair dos meus olhos, se misturando ao suor. No entanto, minha tristeza durou menos de 24 horas. Melhorei meu ânimo e decidi que iria buscar todo tipo de tratamento e aproveitaria bastante a vida enquanto podia: ia encontrar amigos, sair, viajar muito, tocar violão, fazer cursos, enfim, celebrar a vida todos os dias! O neurologista que fez meu diagnóstico nos deu um conselho que se tornou a nossa filosofia de vida a partir de então. Disse para não sofrermos por antecipação, pois teríamos a sabedoria para lidar com as situações a cada nova limitação que surgisse. Essa frase acabou sendo um grande aprendizado, já que adaptação a mudanças são uma constante na vida.
Eu escolhi enfrentar a doença de uma forma leve e com muito bom humor, como no dia que fui viajar com um primo e seus amigos a uma chácara no interior paulista. Como eu já estava mancando bastante e tomei umas cervejas, na hora de dormir, pisei em falso e caí ao lado da cama, machucando o nariz. No dia seguinte, o pessoal viu a cicatriz e perguntou o que tinha acontecido. Eu falei brincando: “Vocês não viram a briga que teve ontem à noite?” Depois viajei com minha irmã pela costa brasileira, onde criei o blog “Descobrindo o Brasil com ELA”, em que contava as coisas inusitadas e divertidas que aconteciam pelo caminho, no quadro “Bizarrices do dia”.
Apesar de encarar muito bem, já enfrentei muitas situações complicadas, que aprendemos a lidar. Eu prezava muito por minha liberdade e independência, mas depois da gastrostomia e a traqueostomia, eu fiquei cem por cento dependente dos outros. Passei a contar com uma empresa de Home Care 24 horas, contratada pelo seguro saúde. No início não foi fácil me adaptar a conviver com alguém desconhecido, o tempo todo ao meu lado, cuidando de mim. É como se a minha vida fosse uma janela aberta para o mundo, sem privacidade. Com o tempo conseguimos identificar o perfil das técnicas de enfermagem que mais se adaptavam ao meu jeito de ser. Funcionou tão bem que a maioria da equipe cuida de mim há mais de 10 anos. Além de identificar o perfil ideal, acredito que a empatia, a leveza no jeito de levar a vida e o bom humor contribuem para que elas se sintam à vontade, como se fosse uma extensão da própria casa. Teve um ano que promovemos uma festa de Natal em casa, para todos eles com as famílias, e quando um profissional completa cinco ou dez ano de casa, faço questão de perguntar qual o seu sonho para realizá-lo. Afinal, as pessoas que cuidam de mim são o meu maior património. Sem eles não estaria vivo!
Além de mim, existem inúmeras outras pessoas que encaram bem a vida depois de enfrentar uma grande adversidade. Maria Lucia Wood Saldanha, diagnosticada com ELA em 2012, se mantém ativa, faz viagens, e escreveu o livro “A Vida É Bela: Como aprender com ELA”. Outros dois bons exemplos são o Pauê e o Pedro Pimenta. Ambos precisaram ser amputados aos 18 anos, mas lidaram bem com as adversidades, têm uma carreira de sucesso, são palestrantes e autores de livros. Pauê sofreu um acidente ao atravessar uma linha desativada de trem, foi atropelado por uma locomotiva que transitava apagada. Já o Pedro foi vítima de meningite. Os dois quase morreram e enfrentaram enormes obstáculos para se adaptarem à nova condição, mas se reinventaram, são felizes e possuem histórias inspiradoras de vida.
No livro “A Arte da Felicidade”, Dalai Lama diz que a felicidade depende mais do nosso estado mental do que dos acontecimentos em nossa vida. Podemos ter uma sensação temporária de enlevo em situações alegres, ou ficarmos deprimidos por algum fato triste que nos acomete, mas o nosso estado de espírito sempre tende a voltar para uma linha de referência. Dessa forma, dinheiro, sucesso, reconhecimento podem nos deixar animados por um tempo, mas logo voltamos ao nível de felicidade a que estamos acostumados. O mesmo vale para uma briga ou perda mas, segundo o líder tibetano, em questão de dias o nosso estado de espírito volta a ser o que era antes. O mesmo vale para situações extremas, como catástrofes ou ganhar na loteria. Ou, no meu caso, um diagnóstico de ELA. Mesmo em episódios agudos de doença, como câncer, cegueira e paralisia, depois de um período adequado de ajuste, a felicidade volta a seu nível de rotina.
No Oscar 2024, um dos candidatos a Melhor Filme Estrangeiro foi Dias Perfeitos, produção japonesa dirigida pelo consagrado diretor alemão Win Wenders. O filme mostra como é possível ser feliz valorizando as coisas simples, como música, leitura, natureza e a própria rotina diária, independente da condição social e de possuir um emprego valorizado pela sociedade. Traz grandes aprendizados e nos faz questionar o mundo atual, tão consumista e frenético, gerando reflexões sobre autoconhecimento, escolhas diárias, paz, ética, equilíbrio, e como encontrar contentamento nas coisas simples da vida, sem a necessidade de grandes luxos ou excessos.
Quando recebi o diagnóstico de ELA, a literatura médica indicava que os pacientes vivem em média 2 a 5 anos de vida. Já se passaram 16 anos e, contrariando qualquer prognóstico médico, eu venho melhorando nos últimos anos, principalmente da parte respiratória. Imagino que muitos fatores contribuem para isso, mas eu tenho certeza que o fato de eu sempre estar positivo e de bem com a vida ajuda de forma decisiva. A forma como lidamos com as dificuldades tem reflexo direto na nossa saúde e no bem estar.
Atualmente, e cada vez mais, a tecnologia ajuda as pessoas com ELA a fazerem atividades que não são possíveis realizar normalmente por causa das limitações físicas. Seguir vivendo, trabalhando, se divertindo, e planejando o futuro certamente farão você encarar melhor a doença e viver mais tempo. Eu tenho esperança de encontrarem a cura da ELA, mas não condiciono minha felicidade a isso. Comecei este texto com um trecho de música e vou terminar com outro, afinal não que a vida esteja assim tão boa, mas um sorriso ajuda a melhorar.
“Doeu, doeu, agora não dói
Não dói, não dói
Chorei, chorei
Agora não choro mais
Toda mágoa que passei
É motivo pra comemorar
Pois se não sofresse assim
Não tinha razões pra cantar
Ha ha ha ha ha
Mas eu ‘to rindo à toa
Não que a vida esteja assim tão boa
Mas um sorriso ajuda a melhorar
Aha, aha”
Falamansa – Rindo a tôa
OBS.: eu peço desculpas por demorar para publicar, mas tive problemas com o servidor do site, que foi trocado.
Respostas de 21
Texto tão necessário… o que a gente escolhe para a nossa vida define como vamos vivê-la. Obrigada Ricky pelo rexto
Caramba que história linda, parabéns 👏 . Fico muito feliz em ver que não é o fim do túnel é só uma extensão da caminhada, tenho dois irmãos diagnósticados com ELA, moram no interior do Maranhão, estamos sofrendo muito principalmente a minha mãe pois ela cuida de um e a outra é casada e o esposo cuida dela , mais por falta de recursos e profissionais a situação é bem difícil muito difícil.
Parabéns por contar sua história.
Ricky, adoro a forma como te expressas e falas da tua trajetória de vida de forma leve e bem-humorada. Obrigada pela partilha! És uma inspiração! 🤗
Simplesmente edificante este texto do querido Ricky. Obrigado por ser tão feliz. Você nos ensina a crescer. 😘❤️
Força de vontade, fé e esperança é o que te move, que bom que vc pode ajudar muitas pessoas a ficarem bem, vendo sua história, e se inspirando em você. Continue sua jornada, é um aprendizado para você, e para muitos que necessitam de uma palavra, de um incentivo, de saber que não estão só. Deus te ilumine e proteja sempre, meu sonho, te conhecer pessoalmente, quem sabe, ❤️😍🤗👏👏👏
Você é incrível! Obrigada por nos ensinar a viver da melhor forma.
Sensacional!! Como sempre uma aula para nós. Bora continuar essa trajetória e sempre evoluindo como um todo. ❤️❤️
Sou Técnica de enfermagem, na verdade sou uma pessoa anônima na sua vida! Mas trabalho com pessoas que faz parte, da sua equipe! E dos relatos já senti muita vontade de ter oportunidade de te conhecer!
Simplesmente por ser essa pessoa brilhante que você é!
Resumindo você é luz♥️🙏🌹
Maravilhosa reflexão, Ricky! Agora as músicas não sairão mais da minha cabeça, obrigada!😍🥰
Que linda mensagem passa em seu texto. Parabéns, e que sua alegria contagie corações pelo mundo.
Caro Ricky
Não tive o prazer de conhece-lo pessoalmente e espero uma oportunidade para que esse encontro aconteça. Tenho você como um amigo de longe distancia que me inspirou em seus textos e dia a dia postado nas plataformas sociais. Sou grata pelas linhas que encheram meus olhos de lágrimas.
Amo e respeito a pessoa que você é, e a pessoa maravilhosa que torna a cada dia.
Parabéns pelos frutos que está colhendo com seu trabalho. Um abraço para você e sua familia.
Vc é um exemplo de fé força e superação. Deus continue te abençoando sempre.
Sucesso felicidades!! Deus abençoe
Que texto incrível! Também acredito que ser feliz é a chave de tudo!!!! Ahhhhh, se as pessoas soubessem que é mais fácil ver o lado positivo do que sofrer pelo negativo…. que você siga sempre assim, emanando luz e sabedoria para todos nós! ❤️❤️❤️
Ricky, eu li seu texto e gostei muito. Eu não tenho dúvida nenhuma, que a ALEGRIA de VIVER e o nosso pensamento POSITIVO fornece uma FORÇA INTERIOR, que nos ajuda a enfrentar as piores situações que estamos vivendo.
Você está certo, temos que AMAR a VIDA e VIVER!!!
O mundo inteiro que tiver a oportunidade de dar uma espinhadinha pela abertura desta janela irá se contagiar pela sua história de grandeza humana. Você transmite uma perspectiva ampla de valorização das experiências humanas, Rick. Nos faz feliz com suas palavras, atitudes e jeito Rick de ser e viver. Obrigado por nos fazer felizes. Seja feliz! Ah, e se precisar extravasar um dia de chatice de alguém me fala que vou aí dar um chute na boca do estômago de quem precisar. Hehe. Grande abraço!
Ricky obrigada pelo texto. Faz as nossas vidas ficar mais leve. Parabéns por compartilhar este texto, com a gente. Bj
Excelente texto, Ricky! Você colocou toda a sua alma ao escrevê-lo. Que ótimo que você tenha escolhido encarar a vida do lado bom e positivo, você só tem benefícios com isso, e a vida fica mais leve para todas as limitações, e cumprir sua intensa (e admirável) atividade de trabalho no cotidiano, principalmente através do Mobilize.
A vida gosta de quem gosta dela. Eu também sou um entusiasta pela vida. Estamos juntos, primo!
Parabéns Ricky, excelente texto, como tudo o que você faz.
Obrigado por compartilhar sua experiência de vida.
Abraço
Ricky, como sempre inspirador! Obrigada pelo texto!
Querido….q coisa mais linda de ler. Penso como vc. Tenho Ela há 22 anos, sem traqueo e sem gut. Vivo grata pelos anos que tenho. Ministro palestra sobre minha experiência…penso na vida é não na morte…isso me faz forte…abç