Quando eu fiz o Mestrado em Sustentabilidade na Universidade Politécnica da Catalunha (UPC), tivemos uma aula interessantíssima sobre tecnologia. Ao chegar na sala, eu imaginei que os professores iriam nos mostrar tecnologias modernas e inovadoras, o que havia de mais avançado no mundo, mas o intuito era completamente outro. Tratava-se de uma aula filosófica e provocativa, cuja finalidade era gerar reflexões sobre os impactos da tecnologia na sociedade. De fato, a difusão de uma nova tecnologia muda hábitos, induz comportamentos e tem a capacidade de gerar profundas transformações nas pessoas e no planeta, para o bem e para o mal. Basta analisar os prós e contras que aconteceram depois da invenção da internet, das redes sociais ou dos smartphones. Se voltarmos no tempo, podemos fazer o mesmo exercício mental em relação à invenção da televisão, do automóvel, da imprensa ou das armas de fogo, por exemplo.
Naquele dia da aula, os professores disseram que a tecnologia nunca é neutra, sempre gerava impactos. E que cabia a cada um de nós avaliar se as consequências são mais positivas ou negativas. Traçaram uma linha no chão dividindo a sala no meio e desenharam um sinal de mais e outro de menos, um de cada lado. Depois pediram para os alunos se posicionarem na sala, de um lado quem achava que as tecnologias, no geral, traziam mais benefícios que malefícios à sociedade, e do outro lado as pessoas que pensavam o oposto. Ninguém podia ficar em cima da linha e, quanto mais distante dela, maior a convicção sobre a opinião. Eu me posicionei do lado positivo, relativamente perto da linha. Como minha amiga Emilie ficou do outro lado, considerando que a tecnologia gera mais impactos negativos, eu falei brincando pra ela me entregar seu laptop MacBook novinho e ser feliz. Na sequência, cada pessoa explicou a razão da posição, uma conversa que pode render horas de discussão na sala de aula ou numa mesa de bar.
Se a aula fosse hoje, eu me posicionaria ainda mais a favor da tecnologia, mesmo entendendo que algumas delas trazem externalidades muito negativas. Afinal, se eu estou vivo e escrevendo este blog, é porque conto com diversos equipamentos tecnológicos que permitem fazer ambas as coisas: viver e escrever. A partir de agora vou contar sobre os equipamentos que são essenciais para a minha sobrevivência, e também para comunicação, trabalho, locomoção ou para me proporcionar um pouco de independência. Seria muito bom trocar informações com os leitores, ouvir sugestões, saber sobre outras alternativas e conhecer novidades. Eu também espero conseguir ajudar pessoas com deficiência que possuam limitações parecidas.
O simples ato de respirar de forma autônoma não é possível pra mim há muito tempo e, por isso, uso um ventilador mecânico desde junho de 2012, quando foi feita a traqueostomia. No início, eu usava um bipap mais simples, depois passei por diferentes ventiladores mecânicos, e há quatro anos conto com o Trilogy Evo. Ainda na área da saúde, eu tenho um aspirador para fazer a aspiração da boca e da tráqueo, um aparelho para fazer inalação, oxímetro com tela de monitoramento, e um equipamento chamado cough assist, que estimula a tosse para ajudar a soltar a secreção do pulmão.
Eu trabalho e me comunico por meio de um leitor óptico que interpreta os movimentos da pupila e funciona como um mouse. Ele se chama Tobi Eye, ou simplesmente Tobii. Com ele eu consigo acessar a internet, abrir os e-mails, escrever, fazer planilhas e apresentações, ou seja, praticamente tudo que fazia antes, porém mais devagar. O primeiro Tobii que eu tive era bem grande, parecia um tijolo, mas depois adquirimos o Tobii Mini, muito mais compacto.
Além do “leitor óptico”, uso um teclado virtual para escrever e um programa que transforma texto em voz. O teclado virtual, chamado vkeyboard, eu baixei gratuitamente no site do Ministério das Comunicações em 2011, mas uns anos atrás eu vi que não estava mais lá. O programa Text Aloud eu comprei a licença há uns dez anos. Antes eu usava sites gratuitos que transformam texto em voz, chamados de Text to Speech. Na época, o site que eu usava só tinha voz feminina em português, e eu brincava que era minha secretária.
O programa Text Aloud veio com uma voz padrão para ler textos em inglês, mas existem diferentes vozes de vários idiomas para comprar e instalar. Eu uso a voz em português Ricardo e em espanhol Enrique, ambas da empresa IVONA, além da voz em inglês David Desktop, da Microsoft. No final de 2023, meu amigo Ronaldo dos Santos, que dá assistência de informática a muitos pacientes de ELA, teve a iniciativa de montar um vídeo utilizando de inteligência artificial para reproduzir um texto com a minha voz verdadeira, que perdi em 2012, por causa da traqueostomia. Isso foi possível por meio de vídeos antigos que eu tinha, onde estou falando. Foi necessário passarem por um tratamento para retirarem os ruídos de fundo, e depois a inteligência artificial se encarregou de ler um texto atual com a minha voz antiga. Eu estava muito curioso para saber como ficaria e achei que ficou relativamente parecida. O timbre é exatamente igual, mas eu falava mais rápido, um pouco mais empolgado e com outra entonação. Eu publiquei o vídeo e alguns amigos que me conhecem há bastante tempo disseram que se emocionaram ao ouvir a minha voz depois de mais de uma década. A tecnologia vem avançando e adoraria poder usar a minha voz no programa Text Aloud. Ainda não sei se é possível.
Dentro do meu quarto, além de todos os equipamentos de saúde e de comunicação, possuo há alguns anos um sistema de automação que contribui com a minha independência. Por meio da assistente virtual Alexa e de outros equipamentos, usando comandos de voz no Text Aloud, eu consigo acender e apagar a luz, ligar a tv, colocar uma música para tocar e fazer um monte de outras coisas. Existe uma casa nos Estados Unidos para pacientes de ELA onde a automação está tão avançada que as pessoas, por meio do leitor óptico no tablet acoplado à cadeira de rodas motorizada, conseguem até chamar o elevador e selecionar o andar, assim como abrir ou fechar portas e janelas.
Até agora eu praticamente só falei das tecnologias que podem ser usadas em casa, mas eu também saio bastante e elas são fundamentais para que isso aconteça. Conto com uma cadeira de rodas motorizada Permobil F3, conseguida após uma campanha de arrecadação com amigos e familiares, além de uma van adaptada que possui uma plataforma elevatória para subir a cadeira, que pesa 200 kg. A cadeira de rodas motorizada tem um motor que funciona com baterias, mas cuidado para não falar que eu uso uma cadeira elétrica. Afinal, minha ideia é circular pela cidade, não ser eletrocutado. Quando estou na cadeira, eu também consigo me comunicar. Uso o leitor óptico Tobii Mini em um tablet que fica fixado em um suporte desenvolvido pelo Ronaldo dos Santos. Sempre ele.
Brincadeiras à parte, se eu estou vivo até hoje e sigo produtivo, apesar das limitações físicas, é graças ao papel fundamental que a tecnologia tem na minha vida. Ela me permite estar conectado ao mundo e driblar muitas das dificuldades impostas pela ELA. O ventilador mecânico faz a função dos meus pulmões, a cadeira motorizada são as minhas pernas, o leitor óptico serve como dedos na hora de digitar e o programa Text Aloud é a minha voz. Mas nem tudo é substituível. Sou movido pela mente e pelo c