Entrevista com Claudemir Ofrante
Claudemir Ofrante, diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em 2015, compartilha sua trajetória desde os primeiros sintomas até sua adaptação à nova realidade imposta pela doença. Apesar das limitações, incluindo a perda da fala e da mobilidade, ele encontrou força na esposa Érica e nos avanços tecnológicos, como o Tobii, que lhe permite se comunicar. Claudemir superou desafios burocráticos para obter atendimento adequado, se formou em Engenharia Elétrica e realiza projetos para ajudar outros pacientes com ELA. Além disso, organiza a “Corrida Unidos pelo Bem” para arrecadar fundos para seu tratamento. Seu maior desejo é a cura da doença e a possibilidade de retomar uma vida ativa.
Perguntas padrão
1. Fale, por favor, seu nome completo, como gosta de ser chamado e onde mora.
Meu nome é Claudemir Ofrante, tenho 47 anos. Nasci no dia 07 de maio de 1977 em Vila Velha, Espirito Santo e hoje resido em Mogi das Cruzes, São Paulo.
2. Em que ano recebeu o diagnóstico de ELA? É ELA esporádica ou familiar?
Recebi o diagnóstico em 2013. Sou portador de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), doença degenerativa que acomete todo sistema nervoso. ELA esporádica
3. Quais foram os primeiros sintomas que percebeu? Dos primeiros sintomas até o diagnóstico, quanto tempo se passou?
No inicio de março de 2014, após passar férias maravilhosas na praia com a família e com amigos, comecei a sentir cãibras no polegar direito ficando o dedo travado e logo depois comecei a sentir fraqueza no braço direito. Procurei um ortopedista, na qual não constatou nada no braço e recomendou seções de fisioterapia. Após alguns meses percebemos um afundamento na musculatura na parte posterior do ombro direito. Retornei no ortopedista, na qual ele solicitou uma ressonância magnética do ombro direito, não identificando nenhum problema, orientando a procurar um neurologista. Nesse momento meu corpo gelou e a partir dali começava minha peregrinação para descobrir a causa.
Procurei um neurologista que todos falavam muito bem dele, onde ele solicitou uma ressonância do crânio e da cervical, não constatando nenhuma alteração. Pior de tudo foi a orientação desse médico que pediu para eu aguardar alguns meses e depois eu voltar para ver se tinha evoluído e que eu passasse por um reumatologista. Por precaução passei em dois reumatologistas, onde o primeiro nem quis solicitar exames, dizendo que era problema neurológico, enquanto o segundo, mais compreensivo pediu alguns exames de sangue e um eletroneuromiografia dos membros superiores, não constando nada.
O tempo ia passando e não conseguimos saber do que se tratava, até que em março de 2015, um amigo meu através do fisioterapeuta do time de basquete da cidade, marcou uma consulta com um amigo fisioterapeuta de coluna na cidade vizinha. Após avaliar os exames, ele me encaminhou para um amigo dele que era neurologista, que suspeitou de ELA, na qual eu nem fazia ideia do que era essa doença. Ele me explicou que o correto era eu me consultar com um especialista na doença em São Paulo, onde marcamos a consulta para o dia 6 de abril de 2015, um dia após o domingo de páscoa.
Logo após agendar a consulta continuei com minha rotina normal, mas quando faltava uma semana antes da consulta, um sábado, tinha acabado de retornar do trabalho, já era noite, minha esposa estava no quarto e eu na sala, quando resolvi pesquisar na internet sobre a doença. Li que era uma doença degenerativa que afetava a locomoção, a fala, a deglutição e a respiração, que afetava as pessoas de seu convívio e que a expectativa de vida era de três a quatro anos. Pronto, parecia que minha vida havia acabado ali, naquele momento. Meu corpo começou a gelar, comecei a sentir uma angústia, uma dor no peito, comecei a chorar sem parar, não conseguia ficar parado em nenhum lugar. Minha esposa quando me viu, começou a chorar querendo saber o motivo, mas como falar para ela o que eu acabara de ler. Foi muito difícil.
No dia da consulta, fomos para São Paulo ansiosos para saber o que o médico iria nos falar. Passamos pelo Dr. Marco Antônio T. Chieia, Neurologista especialista em doenças neuromusculares. Ele analisou os exames e informou que eles não eram conclusivos para o diagnostico, solicitando mais exames (eletroneuromiografia de todo o corpo, liquor da coluna e 42 tipos de exames de sangue). Após os resultados, fui diagnosticado com uma doença do neuro motor, sendo uma ramificação da ELA.
4. Você tem seguro saúde? Você tem home care?
Tenho plano de saúde, home care e uma equipe que me atende em casa.
5. Quais as maiores dificuldades que já enfrentou, ou enfrenta, com a organização responsável pelos cuidados, seja seguro saúde, home care, SUS ou outro?
Tivemos que lidar com a burocracia do plano de saúde para a liberação do home care. A nossa maior dificuldade hoje é com o plano, que não libera os insumos, as medicações que não enviam e até mesmo o circuito, que estou há dois meses sem trocar. É um desgaste constante. São sete anos acamado e lidando com muitas dificuldades.
6. Você faz fisioterapia e fono com que frequência?
Faço fonoterapia 3 vezes ao dia, mais a fisio respiratória todo dia e a motoro de segunda a sexta.
7. O que você mais sente falta de fazer, considerando o que conseguia antes e deixou de poder realizar por causa da ELA?
No começo foi difícil de aceitar a doença, onde eu ficava pensando o que eu tinha feito de errado para merecer aquilo. Ficamos muito tempo perdidos por não saber como lidar com aquela situação. Comecei a tomar medicação para a doença com o intuito de retardar o avanço, já que não existe a cura ainda.
Outra dificuldade era não conseguir falar devido a traquio, dependendo das pessoas entenderem o que eu queria dizer através de leitura labial. Claro que senti um pouco de tristeza por não poder me comunicar direito e passear como sempre fazia, mas ao mesmo tempo me sentia feliz por ter essa oportunidade de dar continuidade a minha vida e realizar alguns sonhos.
A doença me tirou muitas coisas, sendo difícil passar pela parte da tristeza e da aceitação. Mas eu percebi que eu sou mais forte, principalmente com uma pessoa positiva ao meu lado, me dando força. A doença pode fazer você se entregar, acelerando sua evolução. Mas eu optei pelo outro lado, onde sou muito feliz, onde passei a conhecer muitas pessoas, superando as dificuldades.
8. Qual a limitação que mais te incomoda?
O que mais me incomoda é não poder falar e comer. Viajar é algo que sinto muita falta. Ia muito para o Espírito Santo. Também não gosto de dar trabalho para as pessoas e acabo não fazendo muitas coisas.
9. Quais as principais tecnologias e ferramentas você usa para driblar as limitações impostas pela ELA?
Ganhei um aparelho chamado tobii, podendo me comunicar através do computador, onde através da retina eu consigo escrever frases e teoricamente falar com as pessoas, além de utilizar o computador para outras coisas como: acessar a Internet, mandar e-mail, conversar pelo whatsapp, jogar, etc. Isso me deu uma melhor qualidade de vida, por me sentir mais independente.
10. Ultimamente, quais são as atividades que mais ocupam seu tempo, sem ser atividades relacionadas aos cuidados da ELA?
Tenho muitos projetos mas a falta de recursos e incentivo me limita muito. Eu fiz um site para tentar reunir os pacientes de ELA, com o objetivo de auxiliar e saber as dificuldades.
11. Qual você considera sua principal conquista depois do diagnóstico?
Foram duas grandes conquistas: casar na igreja e terminar a faculdade, me formando no curso de engenharia elétrica. Vou contar em detalhes sobre as duas conquistas mais adiante.
12. E qual o seu maior sonho para o futuro?
Meu maior desejo é que os médicos encontrem a cura da ELA, para que eu pudesse voltar a viver, trabalhar, viajar, tem uma vida ativa. Tenho muita coisa para fazer.
Perguntas personalizadas
1. Fale, por favor, tudo sobre a 4ª Corrida Unidos pelo Bem – Claudemir Ofrante (data, horário, local, percurso, modalidades, inscrição, objetivo, quem organiza, como e quando foram as últimas edições etc.)
A corrida está em sua quarta edição. Será em frente a Paroquia Santa Cruz – Capela do Ribeirão – Rua Guararema, 20 – Taiaçupeba, Mogi das Cruzes, no dia 23 de fevereiro. A largada será as 8h, terá a caminhada de 3km e a corrida de 5 e 10km. Será um evento para arrecadar recursos para o meu tratamento e uma forma de reunir pessoas que queiram fazer o bem. Quem quiser fazer a inscrição, pode acessar: https://www.minhasinscricoes.com.br/Evento/4CorridaUnidospeloBemClaudemirOfrante
As inscrições vão até o dia 02 de fevereiro, mas se as pessoas quiserem ajudar esta causa, mesmo que não participarão, podem se inscrever também até o dia da corrida.
2. Sua esposa Érica tem acompanhado você há muito tempo. Qual a história de você e a importância de ter uma pessoa como ela ao lado para enfrentar os desafios impostos pela ELA?
Era uma quinta-feira, véspera de natal de 1998, eu tinha 21 anos. Fui convidado para passar a noite de natal na casa de um amigo de infância, onde sempre me trataram como da família (mal eu sabia que naquela noite eu realmente passaria a ser da família). Foi nesse dia que eu conheci a pessoa com quem eu passaria o resto da minha vida e se tornaria a pessoa mais importante da minha vida, o nome dela ÉRICA. Só fui conhece-la no fim da noite, quando a esposa do meu amigo (primo dela) me apresentou. Ficamos conversando por um tempo, até começarmos a trocar caricias. A partir daí, passamos a nos encontrarmos constantemente e a namorarmos. Depois de um tempo ela passou a morar sozinha e em 2000, passei a morar com ela e começamos a nossa trajetória de vida juntos.
Todos esses desafios da ELA só consegui superar por um motivo. Deus colocou uma pessoa ao meu lado que sempre esteve junto comigo, me apoiando, me incentivando, a superar os desafios e batalhando para eu ter as melhores condições possíveis e impossíveis. Desde o começo ela me acompanhou no sofrimento, me dando força para superar os obstáculos. Devo essa superação toda a ela, minha esposa Érica.
Pensei em como poderia retribuir toda essa dedicação. Foi quando pensei em realizar o maior sonho dela que era casar na igreja. Sonho que só foi possível devido a pessoa chamada Ana, que considero praticamente minha segunda mãe. Ela é do Espírito Santo e tinha vindo me visitar, foi quando ela intermediou com o padre Lauro, que se dispôs prontamente a realizar esse sonho. Os preparativos foram de muita correria e ansiedade, já que não sabia como reagiria e quais dificuldades teria, por ser um pacientar acamado.
No dia 16 de março de 2019 chegou o grande dia. Foi um dia muito feliz por ter toda minha família, mãe, irmãos, cunhadas, sobrinhas, além de um casal de amigos do Espírito Santo, todos pernoitando em nossa residência, onde dá para imaginar a bagunça. Tinha gente dormindo até na sacada. Devido o casamento estar marcado para as 11:30hrs, o dia começou bem cedo para os preparativos. Enquanto eu era vestido por duas auxiliares de enfermagem e uma fisioterapeuta, a ansiedade aumentava. Eu estava muito bonito, com uma camisa social branca, colete e um terno na cor cinza escuro combinando com a calça. Nunca havia vestido um terno. Ao sair de casa, o primeiro contratempo. O taxi adaptado era uma spin, onde a cadeira cabia a conta, mas minha cabeça não passava. Depois de muito puxa daqui, estica dali, consegui entrar com a cabeça de lado, com uma pessoa segurando minha cabeça, mas valia todo esforço.
Desta vez houve uma coisa diferente de todos os outros casamentos, o noivo chegou depois da noiva, mas desde o começo era um casamento diferenciado. Assim que começou a cerimônia, a emoção tomou conta de mim, mas a emoção maior foi quando a Érica entrou no corredor da igreja vestida de branco, linda. A cerimônia foi de muita emoção de todos.
Infelizmente não pude participar de toda a festa devido a dores que estava sentindo, mas deu tempo para registrar esse momento feliz, com todos e principalmente a alegria que minha esposa estava sentindo, por ter realizado seu sonho.
3. Você se formou em Engenharia alguns anos depois do diagnóstico de ELA. Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas desde o início até se formar?
Sempre tive muita dedicação e comprometimento com meu trabalho, me esforçando cada vez mais para aprender coisas novas, mas me faltava uma formação mais qualificada, onde eu tinha um desejo de fazer graduação em engenharia elétrica, mas devido as condições financeiras isso não era possível naquele momento, mas no início de 2010 tomei a decisão de iniciar a faculdade. Os anos seguintes foram de muitas dificuldades devido os valores das mensalidades, mas conseguimos juntos superar esses obstáculos. Mas a maior dificuldade ainda estava por vir, na qual seria a nossa maior superação: o diagnóstico de ELA e a perda dos movimentos.
Devido a preocupação no início dos sintomas da doença, acabei deixando a faculdade um pouco de lado, ficando em dependência em algumas matérias, inclusive no tcc. Comecei a ter um pouco de dificuldade de escrever, ficando preocupado em não conseguir concluir a faculdade. Foi quando percebi que precisava fazer algo logo, antes que a doença tirasse todo a minha condição de escrever. Comecei a fazer as dependências aos sábados. Um amigo perguntou se eu queria participar da turma de TCC dele, onde vi a oportunidade de concluir essa matéria, reunindo-nos todo fim de semana até concluirmos.
No primeiro semestre de 2016, último período da faculdade, tive muita dificuldade porque a mão direita não respondia corretamente e já me encontrava com início de perda na locomoção, mas com a ajuda dos professores consegui concluir as matérias, faltando somente a entrega de atividades complementares para eu ter enfim o tão sonhado diploma de engenheiro eletricista. Porém eu não podia receber o diploma, pois não havia pago o semestre a faculdade devido gastos muito altos com medicações.
Faltava ainda uma realização em minha vida, que era receber o diploma de engenheiro eletricista. Mas no dia 27 de maio de 2019, graças aos esforços dos professores e do coordenador do curso, recebi o tão sonhado diploma, com direito a colação de grau em casa. Depois de nove anos de espera, onde tinha que parar por falta de dinheiro e devido ao avanço da doença, finalmente conclui mais essa etapa da minha vida.
4. Sua cidade natal é Vila Velha, Espírito Santo, mas há 20 anos mora em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. Quais são os pontos positivos e negativos pra você viver em cada uma das cidades?
Em Mogi tive mais oportunidades de trabalho e prosperar. Mas o Espírito Santo tem meu coração. Gostaria muito de voltar a morar lá. Tem as praias, as montanhas, muitos lugares lindos e que fazem falta.
Respostas de 3
Parabéns Claudemir e Érica!! Vocês formam um lindo casal e a história de superação de vocês emociona muito!! Que inspiração!! Quanta superação!! Obrigada por compartilhar esta linda história que merece um livro!!
Inspirador! Parabens Claudemir.
Quero expressar minha profunda admiração e gratidão por você Claudemir. Sua história é um testemunho de imensa força e resiliência. Apesar das adversidades,você nos mostra o poder da determinação, do amor e do apoio inabalável de sua esposa, Érica. Seu empenho em realizar projetos que ajudam outros na mesma situação e sua luta incansável pela vida ativa são verdadeiramente inspiradores. Agradeço por compartilhar sua jornada conosco. Um grande abraço para você e toda sua família🙏💖